quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Capítulo 11



15 de Dezembro de 2016
12:30


- Cheira bem! – exclamou o Bill ao entrar na cozinha – Estás a fazer o teu famoso esparguete?
- A mãe trouxe-me comida mas como era uma ocasião especial, tinha que fazer uma coisa especial – respondeu o Tom enquanto se dirigia ao fogão.
Tirou a tampa do tacho e a cozinha foi instantaneamente invadida por vapores cujo cheiro fazia crescer água na boca. Tom pegou numa colher de sopa e provou um pouco do molho, depois de soprar durante uns segundos para arrefecer.
- O almoço está pronto – anunciou ele com um sorriso.

Bill saboreava o esparguete de olhos fechados e Tom olhava-o fixamente. Tinha muitas perguntas para fazer, mas não sabia como começar. De repente, Bill abriu os olhos e encarou Tom, que baixou o olhar imediatamente.
- Podes perguntar à vontade… – disse Bill calmamente – Foi para te responder que eu vim cá.
Não havia uma maneira fácil de fazer as perguntas que inundavam a mente de Tom. Ele sabia disso, o Bill também. Ia ser estranho, constrangedor e emotivo, mas era algo que tinha que ser feito e era melhor que fosse durante a refeição, quando estavam mais relaxados. A última coisa que Tom queria era provocar uma nova e desnecessária discussão mas tinha que ser directo pois era a única maneira de não ser mal interpretado.
- Porque é que deixamos de nos falar? – questionou ele, sem levantar os olhos do prato.
Bill sorriu, não porque o assunto fosse agradável, mas porque conhecia tão bem o Tom que já esperava que aquela fosse a primeira pergunta.
- Porque tu és um grandessíssimo cromo e não me deste ouvidos quando mais devias…
- Ó Bill, vá lá… - queixou-se Tom, quando viu o seu irmão deitar-lhe a língua de fora infantilmente.
- É verdade! Mas pronto... – Bill acedeu a contar a história sem brincadeiras e suspirou antes de continuar - Nós deixamos de falar porque tu decidiste casar com a pessoa errada.
Fez uma pausa para enfiar na boca uma grande garfada de esparguete, ignorando Tom, que não tirava os olhos de si.
- Estava há espera de uma resposta um bocadinho mais elaborada… - comentou Tom.
- Quem te disse que já acabei? – replicou Bill quando acabou de engolir o que tinha na boca.
Como resposta, Tom levantou as mãos à altura do peito e murmurou “faça favor de continuar”.
- Tu tinhas uma namorada, uma rapariga que eu adorava porque era perfeita para ti. Mas ela começou a sentir-se asfixiada pelas fãs que a ameaçavam e pelos paparazzis que não a largavam e teve de acabar o vosso namoro – Contou o Bill, que estava a achar piada à expressão atenta de Tom – Foi aí que apareceu a Loretta, que te deu a volta à cabeça.
- Como era essa outra rapariga? – perguntou curioso o Tom.
- Era muito amável e simpática, estava sempre pronta a ajudar no que fosse preciso. Ela gostava mesmo de ti, não por seres o guitarrista dos Tokio Hotel, mas sim por seres o Tom Kaulitz – Bill sorriu ao relembrar a rapariga - Ela sempre teve uma paixoneta por ti, mesmo quando andávamos na primária…
- E fisicamente, como era?
- Era alta, elegante… Tinha o cabelo sempre comprido e escuro…
Tom levantou-se de repente, interrompendo Bill. Foi até ao seu quarto e pegou na foto que tinha encontrado numa das caixas na cave.
- Bill, reconheces esta rapariga? – perguntou ele mostrando a foto ao irmão quando voltou à cozinha. O Bill pegou na foto e sorriu novamente.
- É a Labine, a rapariga de quem estávamos a falar! – disse ele contente por vê-la novamente.
Devolveu a foto a Tom, que ficou de pé a olhar para ela. À luz do dia, reparou num pormenor que da outra vez lhe tinha escapado. Na parte de baixo da foto, estava desenhado um coração preto. Rapidamente pegou numa caneta e desenhou um coração no guardanapo. Comparou os dois e chegou à conclusão que o da foto tinha sido desenhado por Labine pois era muito diferente do seu.
Agora já tinha um nome, uma história e uma marca para adicionar à cara dela.
Voltou a sentar-se, para terminar o seu almoço, e incitou Bill a continuar a história.
- Bem, tu e a Loretta davam-se muito bem quando namoravam. Dava gosto ver-vos juntos, pareciam o casal perfeito. Mas um dia eu ouvi uma conversa que não devia.


[FLASHBACK]

Bill entrou no jardim da casa que partilhava com Tom. Scotty trotava à sua frente, o rabo a abanar alegremente enquanto cheirava tudo à sua volta. Bill estacou de repente, quando ouviu vozes perto da piscina. Quando percebeu o tema de conversa, chamou Scotty num sussurro e agarrou-o. Não queria que as duas raparigas dessem conta da sua presença. Sabia que era feio escutar as conversas dos outros, mas aquela interessava-lhe demais para simplesmente virar as costas.
- Tirá-la do caminho foi a coisa mais fácil do mundo – disse Loretta à amiga, enquanto se virava na toalha, de modo a poder apanhar sol na parte da frente – Depois foi só conquistá-lo!
- E a ti ninguém te resiste, pois não Loretta Hexe? – apontou a amiga, enquanto apanhava o cabelo loiro num rabo de cavalo.
Loretta apenas respondeu com uma risada alegre e jovial.
- Coitada da pobre rapariga… - continuou a rapariga loira – As ameaças que vocês lhe fizeram devem tê-la assustado mesmo, para ela acabar tudo!
- Eu não tenho pena nenhuma dela… - replicou Loretta – Ela era uma insossa…
- Só mesmo tu para forjar um plano maquiavélico como esse…
Loretta riu-se novamente, desta vez acompanhada pela amiga.
- Foi um plano genial que correu na perfeição! – auto-congratulou-se ela, num tom de voz altivo.


[FIM DE FLASHBACK]


Bill acabou de contar a história e olhou para Tom, que observava com a boca ligeiramente aberta. Não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir, era surreal!
- E depois? – perguntou ele, curioso para saber o que Bill tinha feito depois.
- Depois fui-te contar o que tinha ouvido, mas tu não quiseste acreditar… - continuou o Bill – Disseste-me que a tinhas pedido em casamento e não ias voltar atrás…
- E foi aí que tu me disseste que não ias ao meu casamento…
- Se a noiva fosse a Loretta – concluiu o Bill.
Tudo fazia sentido, o puzzle estava a começar a completar-se. A parte mais importante já estava resolvida e os dois irmãos estavam juntos de novo.
Agora a prioridade era descobrir tudo sobre Labine.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Capítulo 10



14 de Dezembro de 2016
19:55

Tom não respondeu imediatamente. Hesitou ao escutar a voz do irmão porque não sabia como iria ele reagir. O seu maior receio era que o Bill desligasse o telefone sem ouvir o que ele tinha para dizer.
- Quem fala? – perguntou o Bill do outro lado, um pouco impaciente.
A sua voz transpirava ansiedade, talvez por saber, lá no fundo, quem estava a fazer a chamada. A ligação que os gémeos sempre tinham tido nunca ia desaparecer, nem com a distância, nem com o tempo. Era algo que tinha nascido com eles e, de igual forma, morreria com eles.
- Olá, Bill – cumprimentou o Tom no seu tom grave.
Como resposta apenas obteve silêncio. A tensão que pairava era quase palpável e os corações de ambos batiam a um ritmo frenético e descompassado, como se estivessem a tentar sair dos respectivos corpos.
- Preciso de falar contigo sobre uma coisa importante, Bill. Não desligues o telefone, por favor… - acrescentou o Tom, para prevenir.
Por momentos, pensou que o irmão ia continuar sem responder, uma vez que o silêncio se manteve. No entanto, o Bill acabou por falar.
- Como estás, Tom?
- Bem, dentro dos possíveis… - respondeu Tom, não conseguindo evitar um sorriso – E tu?
- Eu também estou bem – respondeu simplesmente o Bill.
Tom não estava habituado a ouvir o seu irmão responder-lhe de forma tão fria e hostil e não gostou da sensação. Desejou mais do que nunca vê-lo, tentar resolver tudo e voltar ao que eram antes. Sabia que tinha essa oportunidade agora e não podia falhar.
Tentou pensar em perguntas para fazer, de modo a manter o Bill a falar o máximo de tempo possível.
- Tens falado com a mãe? – questionou ele.
- Tenho – respondeu o Bill – Falei com ela há dois ou três dias.
Tom sentiu-se extremamente magoado com aquela resposta. Bill sabia do acidente pois de certeza que a mãe lhe tinha contado. No entanto, não foi capaz de pôr o orgulho de lado para ir visitar o irmão. Nem sequer um telefonema fizera. O acidente tinha sido muito grave, podia mesmo ter morto Tom, e o Bill nem se tinha dignado a aparecer no hospital.
Apesar de tudo, Tom sabia que esta conversa era crucial para o seu futuro. Se o Bill não se conseguia livrar do orgulho estúpido, o Tom tinha que ser capaz de esquecer a mágoa.
- Olha, será que podias vir a minha casa? Temos de falar, é importante…
Bil não respondeu e remeteu-se, uma vez mais, ao silêncio. Tom conhecia-o demasiado bem e sabia que ele iria aceitar, mas estava a fazer-se de difícil.
- Ouve, a mãe deve ter-te contado o que se passou – disse o Tom, para ajudar o irmão a tomar uma decisão – Eu não sei porque é que nos afastamos, não me lembro! Mas eu preciso de estar contigo, de falar contigo… És o meu irmão!
- A Loretta está aí? – perguntou o Bill.
- Não – respondeu o Tom, achando a pergunta estranha – Ela… Saiu de casa ontem à noite.
- Então… Eu passo por aí amanhã, pode ser? – sugeriu o Bill, com a voz um pouco mais leve e num tom menos frígido.

Tom sentiu-se mais aliviado depois do telefonema. Teve que pedir ao Bill que telefonasse à mãe para lhe dar indicações sobre como chegar até sua casa, porque ainda não tinha tido tempo para tratar desses pormenores. Era muita coisa para decorar e ainda tinha passado pouco tempo desde que voltara a casa.
O telefonema tinha corrido bem. Muito bem, tendo em conta que tinha sido tudo improvisado! Tom estava feliz.


***


15 de Dezembro de 2016
12:00

Desta vez, Tom já estava acordado quando a campainha tocou. Sabia que era o seu irmão. Encaminhou-se para a porta sem nenhuma frase pré-ensaiada. Se o telefonema de improviso da véspera tinha corrido bem, era melhor usar a mesma táctica no o reencontro cara a cara. Através do vidro baço viu a silhueta alta e esguia de Bill e o seu coração começou a bater mais depressa do que o normal.
Quando a sua mão tocou no puxador para abrir a porta, o seu coração batia com tanta força que se via através da camisola. Tal como no dia anterior, parecia querer sair do peito de Tom, como se soubesse que o seu semelhante estava apenas a escassos centímetros de distância. Lentamente, Tom abriu a porta.
Ficaram muito tempo a olhar um para o outro, parados em silêncio. Bill tinha o cabelo preto escorrido cortado pelos ombros, usava uma t-shirt preta com desenhos brancos, umas calças pretas e, ao contrário do que Tom estava habituado, não apresentava qualquer rasto de maquilhagem, fazendo com que os traços femininos da sua face não ficassem tão acentuados.
A certa altura, Tom não aguentou mais e num movimento súbito, abraçou Bill, que não retribuiu de imediato. No entanto, Tom não o largou. Sabia-lhe bem estar com o seu irmão, que era como a sua outra metade. Sempre tinham dito que eram uma pessoa só em dois corpos. Alguns momentos depois, Tom sentiu os braços de Bill rodear as suas costas.
Os seus dois corações estavam novamente a bater junto um do outro e acalmaram-se, acabando por encontrar um ritmo sereno e idêntico.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Capítulo 9



14 de Dezembro de 2016
12:33


A campainha tocava insistentemente no andar de baixo. Tom gemeu irritado porque a campainha parecia estar a tocar dentro da sua cabeça. Fez uma nota mental para mudar aquele toque para um mais agradável e levantou-se.
Vestiu o roupão e desceu as escadas mal-humorado. Quem quer que fosse ia ouvir umas quantas por não ter maneiras nenhumas e o ter acordado tão cedo! Abriu a porta e preparou-se para mandar embora quem lá estivesse mas não teve tempo para isso.
- Até que enfim, Tom! – exclamou a D. Simone, dando um beijo rápido na testa do filho – Estava a ficar preocupada, podia ter acontecido alguma coisa…
Apressou-se a entrar com vários sacos de plástico na mão, deixando Tom especado à porta.
- Por acaso aconteceu, mãe… - disse ele, batendo a porta com um pouco de força a mais.
- O quê? – perguntou ela, parando a meio caminho da cozinha para olhar para ele, preocupada.
- Adormeci! - Respondeu ele, caminhando até à mãe para a acompanhar - Estive acordado a noite toda, a ver as horas a passar e quando o sol nasceu, finalmente adormeci! E tu vens e acordas-me a estas horas!
Tom sentou-se num dos bancos altos junto à mesa central e observou a mãe enquanto ela pousava as sacas e tirava de lá vários tupperwares com diferentes formas e tamanhos.
- Tom, é hora do almoço. Estava na hora de acordares, não achas?
Pela primeira vez desde que tinha acordado, Tom olhou para o relógio. Ela tinha razão, apesar de, para Tom, parecer muito mais cedo.
- Que trazes aí? – perguntou ele, amarrotando uma das sacas vazias na mão.
- É comida – respondeu ela, olhando-o como se fosse a resposta mais óbvia do mundo.
- Para quê?
- Para dar aos cães… - disse ela ironicamente, olhando para dois tupperwares diferentes enquanto ponderava qual deles deixar de fora e qual meter no frigorífico.
- Eu não tenho cães…– disse ele, um pouco frustrado por ela não estar a perceber o objectivo da pergunta - Porque é que me trouxeste comida?
- A Lori telefonou-me de manhã cedo e contou-me o que se passou – Simone fechou o frigorífico e ocupou o lugar ao lado de Tom – Ela pediu-me para tomar conta de ti na ausência dela.
- Eu não preciso que tomem conta de mim, muito obrigado… Eu já tenho vinte… - hesitou, pois a sua idade real era diferente da que ele se lembrava ter – …E seis anos. Sou perfeitamente capaz de viver sozinho.
Tom odiava ser tratado como uma criança ou como um inválido. Sempre fora muito independente, tal como o seu irmão. Simone passou afectuosamente a mão na cara de Tom e sorriu.
- Eu sei, meu filho. Mas eu nunca disse que me ia mudar para aqui, pois não?
Ele olhou para a mãe e sorriu também. Ela sempre tinha dado muita liberdade aos filhos, mas a verdade é que sempre que eles precisavam da mãe, ela estava lá. Eles nunca precisavam de lhe pedir ajuda porque ela sabia sempre quando intervir.
O Tom estava a precisar de desabafar com alguém e a pessoa que melhor o podia amparar era a mãe. Contou-lhe tudo o que se tinha passado e o porque de ter pedido a Lori para sair de casa durante uns tempos. Confessou-lhe as suas dúvidas e incertezas e pediu-lhe conselhos.
- Tom, eu não posso dizer se o que fizeste foi correcto ou não porque apenas tu podes saber isso – explicou ela – Eu sempre te disse para seguires o que o teu coração diz porque é sempre o melhor para ti. Se achas que tudo isto era necessário, então eu apoio-te… Se não, telefona-lhe já.
Tom pensou por uns minutos. Lori estava a sofrer por causa dele. Mas ela tinha cometido um erro gravíssimo que Tom não podia perdoar para já. Ele sabia que não ia conseguir viver com ela, falar com ela, vê-la a todas as horas. Não ia conseguir acreditar nas suas palavras, mesmo que fossem sinceras! Podia não ser o mais correcto, mas era definitivamente necessário e isso ele não podia mudar.
As horas foram passando e a disposição de Tom foi melhorando. Era sempre bom ter alguém com quem conversar. Passearam pelo jardim e pela zona da piscina e resistiram à vontade de dar um mergulho apenas porque estava demasiado frio.
Depois do lanche, Simone anunciou que tinha que se ir embora porque ainda demorava a chegar a casa e não gostava de conduzir à noite. Tom agradeceu a tarde e a ajuda que ela lhe tinha dado e despediu-se, ficando à porta até não ver mais o carro.
Sozinho com os seus pensamentos, Tom foi até à sala e sentou-se no sofá. Enquanto mudava o canal de televisão para um onde estivesse a dar alguma coisa mais interessante, pegou no telemóvel e entrou na lista de contactos. Navegou pela lista de contactos e encontrou o nome “Bill”. O seu polegar pairou durante muito tempo sobre a tecla verde. De cada vez que o aproximava para clicar, a coragem faltava-lhe e o polegar retrocedia novamente. Após alguns minutos, começou a achar aquela cena extremamente estúpida e acabou por guardar de novo o telemóvel no bolso.
No entanto, aquilo não lhe saía da cabeça. Num acto impulsivo, pegou novamente no telemóvel e ligou ao seu irmão. Encostou o telemóvel à orelha e começou a ouvir o repetitivo tom de chamada. A coragem esvaía-se a cada segundo que passava e estava prestes a desligar quando ouvir um som diferente.
- Sim?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Capítulo 8



14 de Dezembro de 2016
6:40

Tom abriu de novo os olhos e respirou com força, frustrado. Olhou para o relógio digital na mesa-de-cabeceira de Lori e observou os números vermelhos que marcavam 6:40. Ainda não tinha pregado olho desde que se tinha deitado e estava cheio de dores no corpo, de tantas voltas que já tinha dado. Não conseguia estar quieto na cama, não arranjava uma posição suficientemente confortável que o permitisse relaxar e descansar.
O barulho da chuva tinha cessado há algumas horas e agora, tudo era um mar de silêncio lá fora, tal como dentro de casa. Nem os insectos que viviam no bosque que rodeava a vivenda de Tom se atreviam a sair numa noite fria e incerta como aquela.
Deu mais uma volta lenta, praguejando contra as dores no peito, e acendeu a luz do candeeiro. Ficou ali em silêncio durante alguns minutos, fitando um ponto incerto na parede sem saber bem o que fazer.
Não valia a pena continuar a tentar dormir. A noite estava a acabar e ele não queria passar o dia enfiado na cama a dormir. Ligar a televisão não era uma opção viável, uma vez que àquela hora nunca dava nada minimamente interessante. Pelo canto do olho, viu a pequena caixa que Lori lhe tinha dado, pousada na mesa a olhar para si.
Noite de revelações” pensou o Tom, sorrindo para si mesmo. Não sabia o que continha a caixa, mas tinha esperança que o interior misterioso lhe trouxesse algumas lembranças, como as caixas na cave tinham feito.
Levantou-se, vestiu uma camisola quente por cima do pijama, calçou um par de luvas e pegou na caixa. Dirigiu-se à varanda do seu quarto e acendeu a luz, que iluminou um conjunto de duas cadeiras e uma mesa pequena de madeira.
Sentado numa das cadeiras, Tom mantinha a caixa entre as suas mãos, enquanto a observava com cuidado. Era feita de madeira clara e na tampa estava colada uma foto do seu casamento com Lori. Tudo indicava que o conteúdo da caixa estava ligado à sua relação com ela.
Abriu o fecho em forma de flor-de-lis e analisou o recheio. Folhas de papel soltas, um lenço e uma pedra em forma de coração, entre algumas outras coisas aparentemente sem valor.
Pegou na pedra e rolou-a na sua mão. Era de um cinzento clarinho, quase branco, e não era muito pesada.


[FLASHBACK]

Lori estava sentada em cima dele e atacava-o incessantemente com cócegas. Ambos riam com vontade, brincando como duas crianças à sombra de uma árvore frondosa.
- Pára, Lori, pára! – pediu ele por entre gargalhadas – Já não aguento mais…
Ela acedeu e deitou-se ao lado dele, de barriga para cima, ainda a arfar e a tentar conter o riso.
Sentiu algo duro estava a magoar as suas costas e ela levantou a toalha para ver o que era.
- Tom, olha que gira! – exclamou ela, rodando uma pequena pedra clara na mão.
Tom debruçou-se sobre ela para ver e deu-lhe um beijo quando viu que a pedra tinha a forma de um coração.

[FIM DE FLASHBACK]


Sorriu para si próprio ao recordar aquela tarde passada com Lori. O pic-nic à beira rio, a sesta à sombra das árvores… Com um bocadinho de esforço conseguia mesmo ouvir o piar alegre dos pássaros, o som da água a correr, o bater do coração de Lori…
Sentiu uma pontada de dor ao pensar em Lori. Ao relembrar aquela tarde, tinha experimentado tudo novamente, incluindo o amor que um dia sentira por ela. Perguntou-se se ela estaria bem em casa da mãe, se teria chegado bem, se estaria a dormir ou se, como ele, estaria acordada a pensar em momentos idos.
Ela tinha razão. A técnica dos objectos antigos estava a funcionar e a trazer-lhe recordações. Mas trazia também novos sentimentos de insegurança, fragilidade, compaixão, lástima e… saudade.
Guardou todos os objectos de novo na caixa. Eram demasiadas emoções para um dia só. Além disso, o frio começava a ser demasiado intenso e cortante. Conseguia ver a sua respiração como uma nuvem esbranquiçada quando expirava e começava a tremer ligeiramente.
Ao deitar-se de novo na cama, almejou não estar sozinho. “É preciso ter cuidado com o que se deseja” pensou ele ao olhar com melancolia a travesseira de Lori. Podia não sentir por ela o que ela sentia por ele, mas ao menos era uma companhia. Durante dias, desejou estar sozinho e agora só queria tê-la de volta.
Lá fora, as nuvens começaram lentamente a dissipar e o primeiro raio de sol do dia entrou no quarto, iluminando a caixinha de recordações de madeira. No entanto, Tom não o viu. Mantinha os olhos fechados, na esperança de que, quando os abrisse, se deparasse com Lori ao seu lado. Nos lábios vermelhos dela um pequeno sorriso, o cabelo claro espalhado graciosamente pela almofada… O braço dele em volta da cintura dela.
Sem se dar conta que estava a ficar com sono, Tom adormeceu e caiu num sono profundo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Capítulo 7



13 de Dezembro de 2016
20:16

Tom estava parado à porta do quarto e olhava Lori cheio de pena, enquanto ela fazia as malas. Ela mal conseguia parar de chorar, mas fazia-o em silêncio e tentava tapar a cara com o cabelo claro para que ele não visse. Sabia que tinha errado, mas sentia-se magoada com a sua atitude.
Tom não gostava de a ver ir embora assim naquele estado, mas não havia outra solução. Era só um tempo, até ele conseguir perdoá-la. Ele percebia as razões dela, mas era difícil olhá-la sem sentir uma ponta de rancor. Mas ele não era totalmente impermeável às emoções alheias e ao ver as lágrimas dela, percebeu que os sentimentos que ela nutria por si eram reais. Eram eles a verdadeira justificação para o erro dela.
Lori abriu a gaveta de cima da sua mesa-de-cabeceira e retirou de lá uma pequena caixa quadrada. Sentou-se na cama, pousou a caixa no colo e olhou longamente para Tom, que percebeu a mensagem dela e se sentou ao seu lado.
- Fica com esta caixa, Tom – disse ela, passando a caixa para as mãos dele - Pode ser que te ajude a recordar…
A última mala foi fechada e posta no carro preto de Lori e Tom continuava sentado na cama, com a caixa fechada nas mãos. Queria desesperadamente abri-la, mas uma parte de si impedia-o de o fazer. Aquela caixa devia ser aberta num sítio calmo e relaxante, onde ele se sentisse em paz e descontraído. Tinha a certeza disso.
Ouviu a mala do carro de Lori bater e acordou do seu transe. Pousou a caixa em cima da cama e foi até à porta, despedir-se de Lori.
Ficaram muito tempo a olhar um para o outro sem dizer nada. Ela porque esperava que um milagre acontecesse, ele porque não sabia se aquela era atitude correcta a tomar.
- Quem é que vai tomar conta de ti agora, Tom? – perguntou ela finalmente, combatendo corajosamente as lágrimas que assomavam nos seus olhos – Quem é que vai cozinhar para ti, quem é que te vai ajudar quando precisares?
- Eu… Acho que me desenrasco sozinho… - respondeu ele, pouco à vontade.
Seguiu-se um novo momento de silêncio embaraçador, cortado apenas pelo ligeiro som das gotas de chuva que começavam a cair no chão.
Tom olhava para Lori enquanto travava uma luta interna. Ela tinha estado sempre com ele no hospital e tinha tomado bem conta dele em casa, apesar de ter sido por pouco tempo. Uma parte dele queria que ela ficasse, mas a outra parte, a maior parte, queria que ela se afastasse por uns tempos até ele organizar os sentimentos. Era muita coisa para uma pessoa só e ele sentia que não ia aguentar viver com alguém por quem não sentia nada além de desconfiança e suspeição. Depois das mentiras que ela tinha contado, numa altura tão crítica, Tom não conseguia acreditar numa única palavra dela!
- Tom… Eu espero que consigas perdoar-me… - disse Lori momentos depois. As lágrimas escorriam-lhe pela cara e misturavam-se com as pesadas gotas de chuva que caíam agora sobre ela.
- Estás a ficar toda molhada, Lori, é melhor entrares no carro antes que fiques doente…
Ela aproximou-se dele e deu-lhe um longo beijo na cara, que o fez fechar os olhos e respirar fundo, para se controlar e manter a decisão que tinha tomado.
Lori caminhou sem pressa sob a chuva intensa até ao carro e olhou uma última vez para Tom antes de entrar e partir em direcção à escuridão da noite. Tom ficou ali durante alguns minutos especado a olhar para o lugar onde o carro tinha desaparecido e depois reentrou em casa.
Apesar de tudo, a constante conversa de Lori mantinha a casa mais cheia e animada. Agora parecia simplesmente vazia, fria e triste. Para se distrair um pouco, decidiu ir até à cave. Ainda não a tinha visitado desde a sua chegada do hospital e não sabia o que iria encontrar lá.
Acendeu a luz e desceu as escadas de madeira devagar. Era uma cave normal, com algumas prateleiras atafulhadas na parede e caixas de variados tamanhos no chão. Aproximou-se de algumas caixas e leu o que estava escrito por fora. Uma delas chamou a sua atenção porque dizia “2010”. Abriu a pequena caixa e espalhou o conteúdo pelo chão, para ser mais facilmente visualizado. De lá caíram vários cadernos, onde se podiam ver letras de músicas e anotações feitas por ele. Do meio de um dos cadernos espreitava uma Polaroid um pouco amarelada pelo tempo, que ele pegou para ver melhor.

[FLASHBACK]

- Vá lá, deixa-me tirar-te uma foto! – pediu novamente o Tom – Estas máquinas antigas são altamente!
A rapariga fez uma pose rápida, a cara meia tapada pelo cabelo escuro ondulado, que a câmara apanhou e Tom sorriu satisfeito quando a Polaroid saiu da câmara.
- Está linda! – exclamou ele – Vou ficar com ela para mim!
- Deixa ver! – pediu a rapariga, correndo atrás de Tom, que fugia pela casa.
Tom ria satisfeito, com o braço que segurava a foto erguido no ar, para que ela não lhe chegasse.

[FIM DE FLASHBACK]

Tom sentiu borboletas na barriga ao recordar aquele momento. Teria sido por causa da rapariga ou pelo entusiasmo de lembrar algo que estava esquecido?
Ele conhecia aquela rapariga de cabelos longos e ar latino, mas não se conseguia lembrar do nome dela. Na sua mente, repassava agora aquela breve memória mas, por mais que tentasse, não conseguia retirar dali mais nada.
Pegou o caderno e leu as anotações escritas nas páginas que tinham guardado a foto durante 6 anos, mas eram coisas puramente aleatórias, ideias para músicas que nunca chegaram a ser escritas, que nada tinham a ver com o que ele pretendia.
Ainda passou em revista o caderno, mas não encontrou nada minimamente útil. Sorriu ao relembrar o seu velho hábito de manter um diário secreto, onde escrevia tudo o que lhe vinha à cabeça. Muitas das letras que Bill tinha composto tinham surgido de ideias de Tom, algumas das quais presentes naquele livrinho de aspecto frágil que ele segurava.
Por alguma razão, sentiu que a rapariga da foto guardava a chave para muitos dos mistérios com que ele se deparava agora e sabia que tinha que descobrir algo mais sobre ela, assim como sabia que devia abrir a caixa de Lori num momento mais apropriado. Não sabia porque sabia nem como sabia. Sabia, simplesmente.

sábado, 23 de outubro de 2010

Capítulo 6



13 de Dezembro de 2016
15:48


- Obrigado por vires, pá – agradeceu o Tom, ao despedir-se de Gustav – Como vês, eu não estou autorizado a sair de casa…
- Na boa. Pensa naquilo que eu te disse, é um assunto sério – acrescentou ele em voz mais baixa, para que Lori não ouvisse.
A porta fechou-se atrás de Gustav e Tom começou imediatamente a pensar num plano para confrontar Lori com o que Gustav lhe tinha contado. Foi sentar-se no sofá da sala e enquanto esperava que Lori acabasse de arrumar a cozinha, pegou num álbum de fotografias do seu casamento. Deu uma vista de olhos pelas primeiras fotos e dedicou a sua atenção a uma em particular, onde estavam todos os convidados reunidos à porta da igreja. Analisou-a cuidadosamente, olhando para cada um dos rostos em particular, para ver quantos conseguia identificar. Ficou mais alegre ao constatar que recordava a maioria.
- Foi um casamento lindo – comentou Lori atrás de si, num tom baixo e suave.
Tom não respondeu. Olhava para si próprio, vestido com um fato preto e uma rosa branca na lapela. Aquela pessoa na foto parecia feliz mas havia uma sombra na sua face que indicava que algo não estava bem. Apesar de tudo, sorria, de braço dado com uma mulher linda, vestida de branco, que não conseguia esconder que aquele era o dia mais feliz da sua vida.
Só então reparou na ausência de uma pessoa que deveria ter estado ao seu lado naquele dia. De repente, tudo começou a fazer mais sentido.
- Lori, senta-te aqui ao meu lado – pediu ele.
O seu tom mostrava tanta confiança que ela fez o que lhe era pedido sem fazer qualquer pergunta.
- Notas alguma coisa estranha nesta fotografia? – perguntou ele enquanto lhe passava o álbum para as mãos.
Ela olhou para a foto e percebeu imediatamente a seriedade da situação. Não valia a pensa esconder o óbvio, por isso, Lori respondeu com a verdade.
- Falta o Bill.
- Pois falta… - Concordou o Tom – Fazes alguma ideia porquê?
- Tom…
- Quero a verdade, desta vez – interrompeu o Tom, assim que ela começou a falar.
- Vocês estavam chateados, não sei porquê, e o Bill decidiu não ir ao nosso casamento… - contou ela – Tu deixaste de falar com ele desde então…
- Não sabes mesmo porque é que nós estávamos chateados?
Ela não respondeu, mas abanou a cabeça negativamente. Ele suspirou e praguejou em silêncio. Era costume os gémeos não contarem a ninguém o motivo das suas discussões, mas nenhuma delas durava mais do que algumas horas. Esta, no entanto, parecia ter sido a pior de todas. Alguma coisa muito grave se tinha passado para o Bill chegar ao ponto de não ir ao casamento de Tom.
Lori observava Tom apreensiva, enquanto ele pensava furiosamente. Não se atrevia a dizer nada nem sequer a tentar ir embora. Pressentia que o interrogatório ainda não tinha acabado.
Efectivamente, pouco tempo depois, Tom olhou para ela com ar sério.
- O que é que se passou na noite em que eu tive o acidente?
- Eu já te contei, Tom…
- Sim, mas eu quero saber a verdade.
Ela olhou-o fixamente com a boca ligeiramente aberta. Aquela súbita frieza de Tom deixava-a um pouco intimidada. Será que ele se tinha recordado de alguma coisa?
- Tom, eu não te menti – recomeçou ela, mas interrompeu o seu discurso quando Tom fechou os olhos e respirou fundo. Ela conhecia aquele sinal. Ele estava furioso, mas tentava controlar-se.
- Loretta, eu quase morri naquela noite – disse ele, com uma calma assustadoramente gélida – Eu perdi todas as minhas memórias dos últimos anos. Mereço a verdade, não achas?
Uma lágrima correu apressada pela cara de Lori, que continuava a fixar Tom. Ela cobriu a cara com as mãos e Tom viu os ombros dela tremer por causa do choro abafado.
- Nós discutimos… - disse ela por fim, entre soluços – Uma coisa estúpida e sem sentido… Mas tu saíste para espairecer e não voltaste… E eu culpo-me todos os dias!
Tom sentiu alguma compaixão por ela, mas não se deixou abalar. Se ela tinha mentido nisto, provavelmente tinha mentido sobre outras coisas e, nesse caso, Gustav tinha razão. Seria Lori capaz de plantar memórias falsas em Tom? Conseguiria ela descer tão baixo e aproveitar-se do estado debilitado e vulnerável de Tom para ganhar o seu amor novamente?
Ele não sabia, não conhecia Lori. Não sabia o que ela era capaz de fazer, mas não ia descansar até chegar ao fundo da questão.
- Em que mais é que mentiste? – perguntou ele, olhando de novo para ela – Por favor, diz a verdade. Eu preciso de saber!
Ela soluçou durante alguns momentos e depois recompôs-se. Limpou as lágrimas e adoptou uma postura um pouco mais forte. Pôs-se de pé e caminhou até à janela.
- O nosso casamento… Não é dos melhores… - confessou ela, enquanto afastava a cortina para olhar lá para fora – Estamos sempre a discutir…
Lori virou-se e enfrentou o olhar duro de Tom, que parecia trespassá-la como facas afiadas.
- Mas eu não gosto de viver assim, Tom! Eu amo-te! – afirmou ela com convicção.
- Tu mentiste-me e… O que tu fizeste é muito grave, Lori! – respondeu ele, após alguma hesitação – Não podes simplesmente aproveitar o facto de eu não me recordar do passado e inventar o que te apetece como se fosse tudo verdade!
- Eu sei, eu sei! Mas eu tive medo que já não me amasses como antes! – Lori voltou a sentar-se ao lado de Tom e olhava para ele desesperada – Eu acho que já não consigo viver sem ti…
Foi a vez de Tom se levantar. Ela estava a tornar tudo mais difícil com aquela cena de apaixonada desesperada! Ela tinha agido mal, tinha-lhe mentido, tinha tentado aproveitar-se dele e manipulá-lo. Ele não conseguia perdoar isso, nunca conseguiria confiar nela novamente!
Tinha que tomar uma decisão difícil, mas não ia ceder. Não podia viver com uma pessoa em quem não confiava nem acreditava.
- Eu acho que é melhor… darmos um tempo – disse ele finalmente.
Ela olhou incrédula para ele, sem saber o que responder. Mais lágrimas brotaram dos seus olhos castanhos, que desapareceram por detrás das mãos dela quando ela cobriu a cara para que ele não a visse chorar.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Capítulo 5



13 de Dezembro de 2016
10:00

Tom estava no palco, entretido a tocar guitarra e a enlouquecer os milhares de fãs que o olhavam atentamente enquanto demonstrava as suas habilidades musicais durante o seu solo.
De repente, ouviu uma voz chamar o seu nome. Era apenas um sussurro, mas sobrepunha-se a todas as outras, como se estivesse alguém ao seu lado.
- Tom… Acorda, amor…
Ele abriu os olhos e viu o quarto na semi-claridade. Quem o chamava era Lori, que estava agachada ao seu lado e lhe sorria.
- Bom dia! – cumprimentou ela, ao vê-lo finalmente acordado.
- Bom dia… - respondeu ele, sem grande entusiasmo. Tinha estado a sonhar com os seus tempos de fama e glória como guitarrista dos Tokio Hotel e estava a saber-lhe bem reviver tudo aquilo. Foi um desgosto acordar naquela altura…
- Trouxe-te o pequeno-almoço – informou ela, pegando num tabuleiro pousado atrás dela.
Esperou que o Tom se sentasse na cama, pousou o tabuleiro nas pernas dele e preparou-se para sair, depois de lhe dar um beijo. Ela já ia quase a chegar à porta quando o Tom teve uma ideia e a chamou de novo.
- Trazes-me o meu telemóvel, por favor? – pediu ele.
Ela acenou afirmativamente e voltou alguns momentos depois com o telemóvel, que tinha estado pousado na mesa da sala desde a noite do acidente.
Tom ligou-o à corrente, uma vez que estava sem bateria, e navegou pela lista de contactos à procura de um nome específico. A sua mãe podia não saber a razão da discussão entre os filhos, mas ao menos tinha os seus amigos, que lhe podiam dar infrmações.
Quando encontrou o que pretendia, clicou na tecla de chamada e encostou o telemóvel ao ouvido. Ficou a ouvir o tom de chamada, impaciente pela demora.
- Tom, meu velho! – disse finalmente uma voz alegre do outro lado.
- Gustav! Como vais?
- Bem. E tu? Nunca mais disseste nada…
- Ui, longa história… - Tom achou melhor não contar nada pelo telefone pois queria pôr a sua ideia em prática o mais depressa possível - Era por isso mesmo que eu queria falar contigo.
- Passa-se alguma coisa? – perguntou o Gustav, denotando um tom estranho na voz de Tom.
- Podes passar cá por casa hoje? – questionou o Tom, ignorando a pergunta.
- Por mim é na boa… Dás-me almoço?
- Claro, meu. Anda! – insistiu o Tom, ansioso por “sacar” mais algumas informações.


***

12:18

Por cima do ruído de fundo da TV, Tom ouviu alguém bater à porta. Pouco tempo depois, ouviu passos no corredor e depois alguém entrou no seu quarto sem se dar ao trabalho de bater.
- Então, seu preguiçoso? - Cumprimentou Gustav – Convidas-me para almoçar em tua casa e nem sequer te levantas da cama?
- Meu grande palerma, não vês que eu estou muito doentinho? – disse o Tom com um brilho no olhar. Só ele sabia como se aproveitar de certas situações – Tens que me fazer todas as vontades! Põe os olhos ali na minha querida mulher, que me trata lindamente!
Sorriu para Lori que se encontrava encostada à ombreira da porta. Ao ouvir isto, a face dela abriu-se num sorriso de orelha a orelha.
Só naquela altura Gustav reparou na verdadeira razão para a falta de cortesia do Tom. Tinha o braço esquerdo ao peito, com uma protecção desde o ombro ao cotovelo. Eram visíveis algumas cicatrizes nas mãos e estava com um ar cansado, mas gozão, como sempre.
- Tom, foste para a guerra e ninguém me avisou? – perguntou o Gustav, tentando aliviar o choque com uma piada.
- Tive um acidente de carro, no mês passado… - Esclareceu o Tom – Senta-te aqui e eu conto-te tudo.
Lori decidiu deixá-los em paz para pôr a conversa em dia e Tom agradeceu silenciosamente.
- Meu, tu não tens bem a noção do que me está a acontecer… - disse o Tom, deixando de lado o ar aparentemente contente, que usava para manter Lori satisfeita e longe. Quando ele parecia abatido ela ficava sempre com ele e tentava animá-lo, sem perceber que isso era a última coisa que ele queria.
Tom contou a Gustav que tinha estado no hospital e tinha descoberto que não se lembrava de nada do que se tinha passado nos últimos anos da sua vida.
- E então preciso de ti para me contares o que raio se passou entre mim e o Bill porque parece que estamos chateados…
- Vieste ter com a pessoa errada… - respondeu o Gustav, recomposto depois do choque inicial – Ninguém sabe porque raio é que vocês não se falam. Só sabemos que são os dois casmurros e teimosos e nenhum quer dar o braço a torcer.
O Tom não tentou sequer fingir o desapontamento que sentiu ao ouvir aquilo. Estava à espera de respostas e afinal só o Bill, a única pessoa que não queria nada com ele, é que as tinha. Pensando bem, era mesmo típico deles chatearem-se e não dizer a ninguém porquê. Mas por mais que pensasse, não conseguia pensar num motivo suficientemente forte para que deixassem de se falar durante tanto tempo.
Acabou por pedir o número de telefone do Bill ao Gustav, uma vez que o tinha apagado da lista de contactos no telemóvel e perguntou-lhe como estava tudo com ele.
- O Bill está a safar-se com a carreira a solo! E consegue conciliar a carreira de cantor com a de modelo, o que é óptimo para ele…
- Ainda bem – apesar de saber que o seu irmão estava chateado com ele, não conseguia sentir qualquer tipo de ressentimento e estava realmente feliz por o seu irmão se estar a sair tão bem - E o Georg?
- O Georg está em tour com a banda nova dele. Ele telefonou-me ontem e hoje devem estar em Moscovo, se a memória não me falha.
- Meu, nós ficamos todos separados?
- Ficamos… Eu também arranjei uma banda nova e estamos a gravar um álbum novo – deixou a modéstia de lado por um segundo – E estamos a ter um sucesso do caraças pá!
- Fico contente por vocês, a sério. Mas… Ainda é tudo tão estranho!
- Acredito! Não consigo sequer imaginar o que é perder sete anos das nossas vidas assim de um momento para o outro!
- Olha… Já agora, mais uma coisa – acrescentou o Tom, olhando para a porta para ter a certeza que Lori não estava a ouvir – Como é o meu casamento com a Lori? Ela diz que é tudo um mar de rosas, mas eu não sei, há alguma coisa que não me soa bem…
- E com razão… - Gustav baixou a voz – Se ela te disse isso, mentiu-te…
Tom olhou curioso para ele e sentiu uma pontada de rejubilo dentro de si. Finalmente ia ter notícias interessantes!
- Pelo que tu me contaste, vocês estão sempre a discutir. - continuou o Gustav - Da última vez que falamos, tu disseste que estavas a pensar pedir o divórcio porque já não aguentavas mais…
Calou-se porque ouviu passos que se aproximavam do quarto e ambos fingiram estar distraídos. Lori entrou no quarto e sorriu para os dois rapazes, recostados na cama. Gustav tinha o comando na mão e fazia zapping pelos canais todos.
- Meninos, o almoço está pronto – disse ela - Achas que te consegues levantar ou preferes que eu te traga o almoço aqui, Tom?
- Naaa, eu levanto-me… Só tenho umas costelas partidas e um ombro deslocado, não estou inválido!
Riram-se do comentário dele, principalmente quando notaram o esforço que ele estava a fazer para não se queixar das dores ao levantar-se.

sábado, 9 de outubro de 2010

Capítulo 4



23 de Novembro de 2016
11:59

Tom olhava com ansiedade para o relógio analógico no corredor do hospital, visível da sua cama. Faltava um minuto para começar a hora das visitas e ele tinha a certeza que a sua mãe ia estar lá em baixo na recepção à espera para poder entrar. Tinha tantas perguntas para lhe fazer…
O ponteiro das horas e o dos minutos sobrepuseram-se nas 12h e Tom soltou um suspiro um pouco prolongado. Já não devia faltar muito para a sua mãe entrar no quarto e aí poderia ver todas as suas dúvidas esclarecidas.
Alguns minutos depois, as suas suspeitas confirmaram-se. A D. Simone espreitou pela porta, para ver se o seu filho estava acordado.
- Mãe, ainda bem que chegaste! – exclamou ele de imediato.
- Bem, que entusiasmo! Passou-se alguma coisa?
- Não, queria só fazer-te umas perguntas…
Cumprimentou a mãe com dois beijos na cara quando ela chegou ao pé dele e esperou que ela se instalasse na cadeira ao lado da cama.
- Quando é que o Bill vem cá? – perguntou ele sem rodeios, olhando atentamente para a mãe. Queria apanhar na reacção dela todos os sinais de más notícias que ela poderia querer esconder.
Ela hesitou na resposta e não olhou para o filho quando respondeu.
- Não sei, Tom. Ele tem estado muito ocupado…
- Desde quando é que o Bill está demasiado ocupado para ir ao hospital visitar o seu irmão gémeo moribundo? – Tom ignorou o estremecimento da mãe ao ouvir a expressão que ele usou para descrever o seu próprio estado. Sentiu-se enganado pois a sua relação com o Bill sempre tinha sido muito próxima – Além disso, a banda não pode fazer nada sem mim…
A D. Simone olhou para ele com um ar triste e cheio de pena. Por alguns momentos não disse nada e Tom não a pressionou. Queria que a mãe falasse de livre e espontânea vontade e dissesse a verdade, não apenas o que ela achava que seria melhor para ele.
- Não te lembras mesmo, pois não?
Tom apenas abanou a cabeça de um lado para o outro como resposta. Sentia o coração a bater com força na sua garganta, criando um nó que o impossibilitava de falar. Pela expressão da mãe, percebia que alguma coisa grave se tinha passado e tinha receio do que vinha a seguir.
- Tom, a relação entre ti e o teu irmão já não é a mesma de sempre - Simone falou devagar, escolhendo as palavras cuidadosamente – Eu não sei de quem foi a culpa, ou sequer se alguém teve culpa, mas vocês começaram a afastar-se cada vez mais… E a certa altura deixaram mesmo de se falar. E a banda… Bem, a banda acabou.
Tom olhava perplexo para a mãe. Ele e o Bill não se falavam? A banda tinha acabado? Como é que isso era possível? Com as memórias que tinha, isso era impossível de, sequer, ponderar. Estavam no auge! Nunca na vida lhes passaria acabar com a banda numa altura tão próspera para eles! E o Bill… Sim, eles sempre tinham tido algumas divergências. Mas o que de tão grave se tinha passado para eles chegarem ao ponto drástico de cortar relações?
A mãe não lhe sabia dizer. Os filhos nunca lhe tinham contado o porquê da discussão e ela, apesar de os tentar reconciliar por várias vezes, nunca os pressionou a falar do assunto.
Tom estava cada vez mais confuso. Tudo aquilo parecia um pesadelo e ele só desejava poder acordar o mais depressa possível!


***


12 de Dezembro de 2016
15:30

Tom estava em amena cavaqueira com uma enfermeira jovem que lhe tinha ido medir o nível de glicose no sangue quando o médico que o acompanhava entrou no quarto.
- Então, como vai isso? – perguntou ele, chegando-se ao pé da enfermeira para ver os resultados do teste.
- Está óptimo, doutor –respondeu ela, entregando-lhe os documentos que segurava na mão.
O médico analisou com cuidado o relatório médico e sorriu.
- Tenho boas notícias, Tom. Em princípio, vai ter alta hoje!
- Fantástico! – respondeu o Tom, com um grande sorriso – Aqui não se faz nada, estou farto de estar todo o dia parado…
- Ah, mas só vai sair se me prometer que vai descansar e não vai fazer esforços! Queremos que as suas lesões se curem por completo o mais rápido possível! E vai ter consultas periódicas para vermos como está a sua memória.
Lori, que tinha ido à casa de banho, regressou naquele preciso momento e olhou de soslaio para o médico, enquanto se sentava na cadeira ao lado a cama de Tom.
- Lori, tenho uma notícia para te dar – disse ele com ar grave, antes que ela pudesse sequer falar.
- O que é, amor? –perguntou ela receosa, ao ver a sua cara séria.
- Logo à noite já vou dormir a casa! – exclamou ele, entusiasmado.
- Oh, que bom! – replicou ela, batendo palmas – Tenho tanta coisa para te mostrar! Já estive a separar umas fotografias e uns vídeos para vermos juntos e relembrar o passado!
Depois de algumas últimas indicações, o médico saiu, acompanhado da enfermeira e Lori recomeçou a falar. Não parou de fazer planos para os dias seguintes e Tom perguntou-se, pela milionésima vez desde que estava ali, porque é que tinha casado com ela.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Capítulo 3



22 de Novembro de 2016
17:45


- Eu sei que amnésia é uma palavra assustadora, mas é muito comum em casos de acidentes graves como seu e grande parte das vezes é apenas um estado temporário – informou o médico – Infelizmente, não podemos dizer com certeza vai demorar muito ou pouco tempo a passar ou se é mesmo permanente. Regra geral, os pacientes que, como o senhor, perderam memórias relativamente recentes voltam a recuperar grande parte delas.
- Grande parte? Quer dizer que eu posso não recuperar a memória toda?
- Obviamente! É praticamente impossível alguém lembrar-se de toda a sua vida ao pormenor. Existem casos de pessoas com essas capacidades, mas é muito raro – Esclareceu o médico.
Tom ficou em silêncio, pensativo. Precisava de organizar as ideias e as informações para conseguir ter um raciocínio lógico. Agradeceu a ajuda do médico e pediu-lhe que informasse a sua mãe e a sua esposa da sua situação e lhes dissesse que ele precisava de descansar, na esperança que elas acatassem as ordens do médico e o deixassem sozinho.
Recostou-se na cama de olhos fechados e fez um esforço para se lembrar do que tinha feito no dia anterior. Vieram-lhe à memória várias coisas mas como podia ele saber se eram as recordações correctas? Podiam ser do dia anterior, tal como podiam ser de há sete anos atrás!
Sentiu-se furioso consigo mesmo por não conseguir recordar o que queria. No entanto, sabia que a culpa não era dele. Era como se lhe tivessem roubado sete anos de vida e não era justo…
Ele era casado e não sabia. Nem sequer reconhecia a sua própria mulher! Que mais coisas importantes teria ele esquecido?
E porque não estava o Bill ali ao seu lado? Tanto quanto sabia (e sentia), podia ter morrido num acidente de viação. Era suposto o seu irmão estar ali com ele, não era?
Uma vez mais, sentiu-se preocupado com o seu irmão. Podia ter acontecido alguma coisa…
Fez uma nota mental para perguntar à sua mãe quando ela regressasse no dia seguinte.


***

18:25


- E então tu levaste-me a um restaurante chique e antes da sobremesa pediste-me em casamento! – os olhos de Lori brilhavam de entusiasmo enquanto contava episódios importantes da vida deles.
Tom apenas queria que ela se calasse, nem que fosse por um minuto. A sua cabeça continuava a latejar devido à dor e só queria dormir um pouco a ver se ficava melhor. Contudo, não queria ser rude para Lori. Mas ela continuava a falar sem parar, toda entusiasmada e não mostrava sinais de querer parar. Será que ela não entendia que não valia a pena estar ali a contar-lhe como eram felizes porque, naquelas condições, ele não estava a registar nada?
Ele não sentia nada por ela, não tinha sequer ideia de algum dia ter tido qualquer tipo de relação com aquela mulher. Na verdade, Tom achava que o que ela estava a contar-lhe era, pelo menos em parte, mentira. Não se conseguia desfazer desse pressentimento… Era muito estranho que alguém completamente apaixonado por outra pessoa não sentisse qualquer tipo de atracção para com ela, mesmo com amnésia.
De repente, Tom teve uma ideia. Se ela queria tanto falar, podia contar-lhe algumas coisas sobre o acidente! Talvez ele devesse começar por tentar recordar as coisas mais recentes, apesar de saber que muita gente que sofria acidentes nunca recuperavam essas memórias por serem demasiado traumatizantes. Mas ele tinha que começar por algum lado e a técnica que Lori estava a usar não estava a resultar.
Ela pareceu ficar atrapalhada quando Tom lhe perguntou o que tinha acontecido na noite anterior.
- Bem… Nós estávamos em casa e… Eu estava a fazer o jantar e descobri que não tinha… Cenouras! – Lori escolhia as palavras com cuidado e fazia muitas pausas, como se também estivesse a ter dificuldades em lembrar-se – E tu ofereceste-te para ir comprar, mas depois… Estavas a demorar muito e foi quando me telefonaram a dizer que tu… Pronto…
- Eu quase morri para ir comprar cenouras? – perguntou o Tom, achando aquilo estranho – Eu nem gosto muito de cenouras…
- Pois, mas eu gosto… E tu como sempre foste um amor para mim, quiseste fazer-me a vontade – respondeu ela com um grande sorriso.
Tom lembrou-se do que ela tinha dito quando o viu acordado. “A culpa é toda minha amor, desculpa!”. Agora fazia sentido que ela dissesse isso, mas na altura, vindo assim do nada, tinha parecido que ela estava a falar mesmo a sério e que a culpa do acidente tinha sido mesmo dela.
- E… como foi o acidente? Quer dizer… Como ficou o meu carro?
- Oh… Foi para a sucata… Tiveram de te desencarcerar e tudo, amor… Eu não vi, mas os paramédicos que te salvaram contaram-me…
Tom ficou em silêncio e Lori também. Ele era sempre tão seguro de si, como se nada de mal pudesse ocorrer. Mas agora percebia que as coisas não acontecem só aos outros e o acidente dele podia ter tido um desfecho diferente e… pior.
No final de contas, perder a memória nem era assim tão mau. Podia começar de novo, criar novas memórias e, quem sabe, melhores.
Estava vivo e isso só por si já era bom.
Uma enfermeira de ar simpático aproximou-se deles e anunciou o fim da hora da visita. Lori despediu-se dele com um beijo nos lábios e saiu, dizendo que voltava no dia seguinte.
Tom ficou ali deitado, agradecendo finalmente o silêncio. Não demorou muito até que o sono chegasse e o levasse a entrar num mundo de devaneios utópicos, possíveis apenas nos seus sonhos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Capítulo 2



22 de Novembro de 2016
14:30


O ruído à sua volta parecia ter sido calado durante o seu sono. Uma dor aguda pressionava as suas fontes, fazendo com que fosse difícil abrir os olhos. Tentou pôr os pensamentos em ordem, mas também era difícil abstrair-se da dor e pensar.
Tinham-lhe dito que ele sofrera um acidente, mas ele não se recordava disso. Custava-lhe pensar com clareza… As últimas coisas de que se lembrava era de ter acordado na ambulância e depois no hospital…
Ouviu passos e murmúrios ao seu lado e depois o ruído de uma cadeira a ser arrastada. A sua curiosidade sobre o que o rodeava e onde se encontrava tinha sido aguçada, mas sabia tão bem estar de olhos fechados… A dor ainda se fazia sentir na zona logo por cima dos seus olhos, o que lhe dava uma boa desculpa para os manter fechados.
Deixou-se ficar naquele limbo mais alguns minutos… Ou horas. Não tinha bem a noção do tempo porque acordava e adormecia frequentemente. Não sentia fome, nem sede, nem qualquer outra necessidade vital, a não ser descansar.
De repente, um pensamento estranho cruzou a sua mente. Estaria morto?
Ele podia sentir a cama dura por baixo dele, sentia o lençol fino que o tapava da cinta para baixo e a almofada fofa que lhe elevava um pouco a cabeça. Ouvia os passos e as vozes das pessoas que passavam constantemente de um lado para o outro no corredor. Doía-lhe a cabeça e sabia que estava a respirar. Por isso, não podia estar morto. Mas como podia ele ter a certeza se nunca tinha estado morto antes e não sabia como era?
Decidiu abrir os olhos e tirar as dúvidas. Deu consigo a olhar para um tecto branco. Olhou em volta e percebeu que estava num quarto de hospital. Havia alguém sentado numa cadeira ao seu lado. Era uma senhora de meia-idade que tinha o olhar triste perdido na janela da parede em frente a si. Um pouco mais de concentração permitiu a Tom reconhecê-la.
- Mãe?
A senhora assustou-se com o sussurro quase inaudível e olhou alarmada para ele sem perceber bem se ele tinha falado ou gemido de dor. Ao vê-lo acordado e a olhar para si, os seus olhos encheram-se de lágrimas.
- Tom, meu querido! – exclamou ela, tomando as mãos dele nas suas – Está tudo bem, meu filho, já passou!
Acariciou a cara dele, fazendo-o franzir o sobrolho por causa das picadas de dor que as mãos ávidas dela causavam ao passar pelos cortes.
- Au! – queixou-se ele, fazendo a D. Simone dar uma pequena risada nervosa.
- Sempre foste sensível à dor, meu pequenino… - disse ela, olhando-o afectuosamente.
- Tom! – guinchou uma mulher à porta do quarto.
Simone afastou-se rapidamente para evitar ser abalroada pela rapariga, que correra para a cama para poder abraçar Tom. A visão dele foi tapada pelo cabelo castanho claro dela, sem lhe dar tempo para a reconhecer.
- Ele acordou mesmo agora – informou Simone – Ainda tem algumas dores por isso tem cuidado…
- Ó meu amor, pregaste-nos um susto tão grande! – exclamou a mulher, sentando-se na beira da cama de Tom e pondo a mão no peito dele.
Ele olhou confundido para ela, pois não a reconhecia de lado nenhum. Provavelmente era uma fã que tinha convencido a sua mãe a deixá-la entrar no quarto.
- Bem, eu vou-te deixar a sós com a Lori e volto amanhã, sim? – Simone beijou Tom na testa e virou-se para pegar na sua mala.
- Lori?! – disse ele, confuso.
Quem diabos é a Lori e porque é que a minha mãe me deixou sozinho com esta maluca?” pensou ele, furioso com a mãe por ser tão ingénua e acreditar em tudo o que as pessoas lhe dizem.
- Sim, amor? – respondeu a mulher sentada na sua cama.
Tom achou aquilo estranho. Por mais ingénua que a sua mãe fosse, ela nunca o deixaria a sós com uma estranha que o tratava por “amor”. E onde estavam os seus guarda-costas quando precisava deles?
- Olha, desculpa, mas eu não estou a reconhecer-te – disse o Tom, receoso que ela fizesse alguma loucura por ele não se recordar de um possível encontro prévio entre eles.
- Ó Tom, não brinques com coisas sérias… - proferiu ela com uma expressão meia amuada – Fiquei em pânico quando me contaram o que te tinha acontecido… A culpa é toda minha amor, desculpa!
Os olhos dela encheram-se subitamente de lágrimas, o que apenas contribuiu para aumentar a confusão de Tom. Aquela tal de Lori devia ser mentalmente perturbada! Ela tratava-o como se se tivessem conhecido toda a vida, mas ele não fazia a mínima ideia quem ela era! E porque tinha ela dito que a culpa do acidente dele tinha sido dela? Tom fez um esforço para se recordar do acidente, mas não se lembrava de nada… Não sabia sequer em que circunstâncias tinha ocorrido o dito acidente.
Ficou sem saber o que fazer quando ela começou a chorar copiosamente e só desejava silenciosamente que alguém entrasse e o salvasse daquela situação.
Como que atendendo às suas preces, um médico de aspecto simpático entrou no quarto. Ao ver Lori tão chorosa e o ar de pânico de Tom, dirigiu-se de imediato a ela para a confortar.
- Então Sr.ª Kaulitz, então? O seu marido já acordou, o pior já passou! Não há razão para ficar nesse estado – disse ele com uma mãe no ombro dela, tentando acalmá-la – Não quer ir até lá fora beber um copo de água enquanto eu falo aqui com o paciente?
Ela abanou a cabeça afirmativamente e saiu sem dizer uma palavra, ainda a limpar as lágrimas.
- O senhor desculpe… Mas o senhor chamou-lhe “Sr.ª Kaulitz”? – perguntou o Tom, sem saber bem o que pensar daquele circo.
- Sim… Mas, desculpe, eu não estou a perceber a sua questão, Sr. Kaulitz… - respondeu o médico, também confuso.
- Ela é da minha família? É suposto eu conhecê-la?
- Ela é sua esposa! – exclamou o médico perplexo - O senhor não se recorda?
Tom abriu a boca num gesto de espanto. Se não fossem as dores que sentia, era capaz de acreditar que tudo não passava de uma brincadeira de mau gosto.
- Como é que eu me posso recordar da minha esposa se nem me lembro de alguma vez ter casado? – perguntou ele com a voz alterada por uma pontada de pânico.
A confusão na cara do médico passou a uma expressão de entendimento, como se, subitamente, tudo fizesse sentido.
- Sr. Kaulitz, qual é a última data de que se recorda?
O Tom fez um esforço para se lembrar. Recordava-se de ter ido a um jantar de família em casa da mãe. Lembrava-se de ter regressado a casa com o Bill e também se lembrava que estava cheio de sono… Se calhar tinha adormecido durante a viagem e por isso é que não se recordava do acidente.
Mas nesse caso…
- O Bill? Ele está bem? – interrogou ele de repente, temendo que o pior tivesse acontecido.
- Bill? Quem é o Bill?
- O meu irmão!
- Não tive conhecimento da entrada do seu irmão no hospital, mas posso averiguar… Mas por agora é importante voltar ao assunto anterior, por favor – insistiu o médico.
Tom contou ao médico o que se lembrava mas disse que não sabia a data ao certo.
- Mas sei que fiz 20 anos no mês passado – acrescentou ele com confiança.
O médico olhou para a ficha dele com ar grave e pegou na caneta para escrever. Tom esperou pacientemente que o médico acabasse e era com ansiedade que o olhava quando este guardou a caneta no bolso da bata branca.
- Sr. Kaulitz, segundo as informações que eu tenho aqui, dadas pela sua mãe, o Sr. fez 20 anos em Setembro de 2009, certo? – Esperou que o Tom concordasse com um aceno de cabeça e continuou – Lamento então informá-lo que estamos em Novembro de 2016.
Tom sentiu-se como se o mundo estivesse a desabar sobre si. O que o médico estava a dizer não podia ser verdade! Olhou-o incrédulo e descrente, esperando que ele se começasse a rir às gargalhadas, o que não aconteceu.
- O que é que acabou de dizer?
- O Sr. sofre de amnésia.

domingo, 3 de outubro de 2010

Capítulo 1




21 de Novembro de 2016
18:52


- Eu não te percebo, Lori! Nunca estás bem com a vida que tens!
- Eu? Tom, tu é que nunca sabes o que queres!
- Loretta, não me venhas com tretas! – exclamou Tom, indignado – Eu mudei de opinião para te fazer a vontade!
- Loretta? Quando é que deixaste de me tratar por Lori? – perguntou ela, cruzando os braços desafiadoramente.
- Não mudes de conversa, Lori – replicou o Tom, pronunciando o nome dela em tom irónico – Não te interessa o outro tema, não é? Sabes que eu tenho razão.
Tom cruzou os braços e viu-a desviar o olhar para o chão, como se não quisesse continuar a falar. Era o que ela fazia sempre que sabia que estava errada: amuava. Se a discussão não tivesse sido nada de mais, ele ia ter com ela e abraçava-a, fazia-lhe as vontades todas durante umas horas até lhe passar a má disposição. Mas desta vez ele não ia fazer isso porque ela tinha começado uma discussão sem qualquer razão minimamente válida e ele estava farto.
- Tom, estamos a discutir sobre o destino das nossas férias… - Lori adoptou um ar desapontado – Sinceramente, já não me apetece ir a lado nenhum…
- Vês? Vês? Eu queria ir a Nova Iorque, tu querias ir ao Brasil. Eu aceito ir ao Brasil e deixar Nova Iorque para outra vez e tu fazes um escândalo e ainda dizes que já não queres ir a lado nenhum! És fantástica…
Lori não disse mais nada. Sabia que tinha exagerado e suspirou exasperada. Odiava perder disputas sem sentido, como esta. Tom suspirou também e abanou a cabeça lentamente. O casamento dele estava por um fio. Ele e Lori discutiam por qualquer pequena coisa. Sentia-se irritado e nervoso, precisava de espairecer. Levantou-se do sofá onde estava sentado com a sua mulher e dirigiu-se à porta da rua sem olhar para ela. Pegou nas chaves pousadas na mesa de entrada e murmurou “vou dar uma volta” antes de sair.
Entrou no carro cinzento e ligou o motor, mas não arrancou de imediato. Apoiou a cabeça no volante e respirou fundo várias vezes com os olhos fechados. Sempre tinha tido dificuldade em concentrar-se na condução quando estava demasiado agitado e arreliado, mas precisava de sair dali durante umas horas. Precisava de ficar sozinho num sítio calmo e isolado para pensar no seu futuro e no que faria a seguir.


[FLASHBACK]

- Amas-me? – perguntou Lori, olhando-o nos olhos.
Tom pegou nas mãos dela e beijou-as com carinho.
- Amo-te – respondeu ele, devolvendo o olhar dela – E tu? Amas-me?
- Tom, sabes que sim…
Ele sorriu por instantes mas depois tornou-se sério novamente. Abriu e fechou a boca várias vezes até arranjar coragem para falar. A sua mente trabalhava a mil à hora, tentando pensar em algo bonito e romântico para dizer, mas apenas saíram três palavras.
- Queres casar comigo?
Sentiu uma sensação estranha na barriga ao ouvir aquelas palavras sair da sua boca, como se tivessem sido pronunciadas por outra pessoa. Apesar disso, sentiu que era o mais correcto.

[FIM DE FLASHBACK]


Teria sido realmente o mais correcto? Durante os dois anos de namoro, Tom tinha-se sentido no céu, como se caminhasse permanente numa nuvem. O sol brilhava mais, a relva era mais verde e os pássaros cantavam mais alto. No entanto, depois do casamento, tudo parecia diferente. Era como se tivesse descido ao inferno, todos os assuntos eram bons para começar uma nova discussão.
Tom estava perdido em pensamentos e conduzia apenas por instinto, sem rumo definido. Não prestava qualquer atenção ao caminho que estava a tomar e deu por si a percorrer uma estrada secundária estreita e pouco iluminada. Num rasgo de lucidez, deu conta que não fazia a mínima ideia onde estava.
Abrandou a velocidade e fechou os olhos por um segundo. “Que estou eu a fazer?” pensou ele, tentando descodificar o turbilhão de emoções que sentia dentro de si. Estava ansioso por voltar a casa, mas também estava receoso de enfrentar Lori pois não queria discutir novamente.
Quando abriu novamente os olhos, a luz dos faróis de um carro que circulava em sentido oposto ao seu encadeou-o e foi obrigado a semi-cerra-los por alguns instantes.
Foi o suficiente para calcular mal a distância a que se encontrava a curva seguinte. Girou o volante cedo de mais e depois, ao ver que não ia conseguir fazer a curva, atrapalhou-se e foi contra os rails de protecção, destruindo uma parte deles. Desceu a encosta acidentada aos solavancos, sem conseguir travar, porque o carro deslizava na terra e pedras soltas. Só parou quando a frente do carro bateu com força numa árvore, a força do impacto projectando-o para a frente.
A última coisa que sentiu foi uma grande dor de cabeça, como se esta se tivesse partido ao meio, quando bateu com a testa no volante.

***

- Ele está a acordar! – exclamou uma voz feminina, por cima do barulho de um motor e uma sirene.
A sua visão estava desfocada e não soube identificar o sítio onde se encontrava quando olhou debilmente em volta.
Tinha uma máscara de oxigénio no rosto que o ajudava a respirar, embora ainda o fizesse com alguma dificuldade por causa de uma grande dor que tinha no peito. Tentou mexer-se mas uma dor aguda generalizada juntou-se à dor no peito e espalhou-se por todo o seu corpo, fazendo-o soltar um gemido.
- O senhor sofreu um acidente de viação – informou-o a mesma voz feminina – Já lhe demos um medicamento para as dores, não se preocupe porque deve estar quase a fazer efeito.
- Como se chama? – perguntou uma voz masculina vinda do seu lado esquerdo.
- Tom… - respondeu ele, fazendo um grande esforço para falar, a sua voz soando grave e ofegante – Tom Kaulitz.
- Senhor Kaulitz, estamos a caminho do hospital – disse novamente a voz feminina – Quer que nós contactemos alguém em particular?
Tom preparava-se para responder, mas o esforço para falar era demais para si e sentiu-se desfalecer. O ruído do motor, as sirenes da ambulância, as vozes preocupadas dos paramédicos que chamavam em vão por ele, tudo parecia desaparecer. Tudo se transformou em silêncio e escuridão. O seu corpo parecia não existir mais. Sentia-se leve… Sentia-se a flutuar no vazio.
Um choque eléctrico percorreu-o por completo, deixando todas as suas células cheias de energia e trazendo-o de novo à vida.
Deixou-se ficar de olhos fechados, ignorando os pedidos dos paramédicos para que se mantivesse acordado. Sentia-se cansado… Naquele momento, dormir era muito tentador…

***

À sua volta havia um barulho ensurdecedor de pessoas a falar, passos apressados e máquinas a apitar. Abriu os olhos e foi invadido por uma luz ofuscante e brilhante, que o fez fechar de novo os olhos doridos. Estava a ser transportado rapidamente pelos corredores do hospital, tanto quanto conseguia perceber, por varias pessoas.
- Várias costelas partidas, ombro esquerdo deslocado, uma contusão visível na testa e vários ferimentos superficiais na cara e nas mãos. Estava inconsciente quando chegamos ao local do acidente, mas recuperou momentaneamente a consciência para cá. Teve uma paragem cardíaca logo após desfalecer novamente, mas conseguimos estabilizá-lo.
- Façam uma TC e uma ressonância magnética para despistar possíveis hemorragias internas e contactem-me assim que obtiverem os resultados ou se o estado dele se agravar.
Tom tentou abrir novamente os olhos e depois de se habituar minimamente à luz, viu as paredes brancas do hospital a ficarem rapidamente para trás, à medida que avançavam cada vez mais para o interior do edifício. À sua volta, conduziam a maca dois paramédicos e duas enfermeiras, vestidas de branco.
A simples acção de manter os olhos abertos e olhar em volta parecia-lhe um esforço sobre-humano, por isso, voltou a fechá-los.
Um cansaço descomunal apoderou-se dele novamente e voltou a cair num sono profundo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Introdução




Título: A Tua Imagem
Autor(a): Moon
Tipo: Fic
Género(s): Drama, angst, UA.
Pairing(s): Tom/PFO
Classificação: PG-13
Sumário: O que fariam se de um momento para o outro se vissem privados das vossas memórias? Eram capazes de largar tudo para procurar respostas para as vossas dúvidas ou tentavam simplesmente começar de novo e criar novas memórias? Nem sempre as nossas decisões são as mais correctas, mas o importante é saber lidar com elas e dar a volta por cima.
É difícil ouvir não. É difícil voltar as costas. Ou não é?
 
 
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