quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Capítulo 3



22 de Novembro de 2016
17:45


- Eu sei que amnésia é uma palavra assustadora, mas é muito comum em casos de acidentes graves como seu e grande parte das vezes é apenas um estado temporário – informou o médico – Infelizmente, não podemos dizer com certeza vai demorar muito ou pouco tempo a passar ou se é mesmo permanente. Regra geral, os pacientes que, como o senhor, perderam memórias relativamente recentes voltam a recuperar grande parte delas.
- Grande parte? Quer dizer que eu posso não recuperar a memória toda?
- Obviamente! É praticamente impossível alguém lembrar-se de toda a sua vida ao pormenor. Existem casos de pessoas com essas capacidades, mas é muito raro – Esclareceu o médico.
Tom ficou em silêncio, pensativo. Precisava de organizar as ideias e as informações para conseguir ter um raciocínio lógico. Agradeceu a ajuda do médico e pediu-lhe que informasse a sua mãe e a sua esposa da sua situação e lhes dissesse que ele precisava de descansar, na esperança que elas acatassem as ordens do médico e o deixassem sozinho.
Recostou-se na cama de olhos fechados e fez um esforço para se lembrar do que tinha feito no dia anterior. Vieram-lhe à memória várias coisas mas como podia ele saber se eram as recordações correctas? Podiam ser do dia anterior, tal como podiam ser de há sete anos atrás!
Sentiu-se furioso consigo mesmo por não conseguir recordar o que queria. No entanto, sabia que a culpa não era dele. Era como se lhe tivessem roubado sete anos de vida e não era justo…
Ele era casado e não sabia. Nem sequer reconhecia a sua própria mulher! Que mais coisas importantes teria ele esquecido?
E porque não estava o Bill ali ao seu lado? Tanto quanto sabia (e sentia), podia ter morrido num acidente de viação. Era suposto o seu irmão estar ali com ele, não era?
Uma vez mais, sentiu-se preocupado com o seu irmão. Podia ter acontecido alguma coisa…
Fez uma nota mental para perguntar à sua mãe quando ela regressasse no dia seguinte.


***

18:25


- E então tu levaste-me a um restaurante chique e antes da sobremesa pediste-me em casamento! – os olhos de Lori brilhavam de entusiasmo enquanto contava episódios importantes da vida deles.
Tom apenas queria que ela se calasse, nem que fosse por um minuto. A sua cabeça continuava a latejar devido à dor e só queria dormir um pouco a ver se ficava melhor. Contudo, não queria ser rude para Lori. Mas ela continuava a falar sem parar, toda entusiasmada e não mostrava sinais de querer parar. Será que ela não entendia que não valia a pena estar ali a contar-lhe como eram felizes porque, naquelas condições, ele não estava a registar nada?
Ele não sentia nada por ela, não tinha sequer ideia de algum dia ter tido qualquer tipo de relação com aquela mulher. Na verdade, Tom achava que o que ela estava a contar-lhe era, pelo menos em parte, mentira. Não se conseguia desfazer desse pressentimento… Era muito estranho que alguém completamente apaixonado por outra pessoa não sentisse qualquer tipo de atracção para com ela, mesmo com amnésia.
De repente, Tom teve uma ideia. Se ela queria tanto falar, podia contar-lhe algumas coisas sobre o acidente! Talvez ele devesse começar por tentar recordar as coisas mais recentes, apesar de saber que muita gente que sofria acidentes nunca recuperavam essas memórias por serem demasiado traumatizantes. Mas ele tinha que começar por algum lado e a técnica que Lori estava a usar não estava a resultar.
Ela pareceu ficar atrapalhada quando Tom lhe perguntou o que tinha acontecido na noite anterior.
- Bem… Nós estávamos em casa e… Eu estava a fazer o jantar e descobri que não tinha… Cenouras! – Lori escolhia as palavras com cuidado e fazia muitas pausas, como se também estivesse a ter dificuldades em lembrar-se – E tu ofereceste-te para ir comprar, mas depois… Estavas a demorar muito e foi quando me telefonaram a dizer que tu… Pronto…
- Eu quase morri para ir comprar cenouras? – perguntou o Tom, achando aquilo estranho – Eu nem gosto muito de cenouras…
- Pois, mas eu gosto… E tu como sempre foste um amor para mim, quiseste fazer-me a vontade – respondeu ela com um grande sorriso.
Tom lembrou-se do que ela tinha dito quando o viu acordado. “A culpa é toda minha amor, desculpa!”. Agora fazia sentido que ela dissesse isso, mas na altura, vindo assim do nada, tinha parecido que ela estava a falar mesmo a sério e que a culpa do acidente tinha sido mesmo dela.
- E… como foi o acidente? Quer dizer… Como ficou o meu carro?
- Oh… Foi para a sucata… Tiveram de te desencarcerar e tudo, amor… Eu não vi, mas os paramédicos que te salvaram contaram-me…
Tom ficou em silêncio e Lori também. Ele era sempre tão seguro de si, como se nada de mal pudesse ocorrer. Mas agora percebia que as coisas não acontecem só aos outros e o acidente dele podia ter tido um desfecho diferente e… pior.
No final de contas, perder a memória nem era assim tão mau. Podia começar de novo, criar novas memórias e, quem sabe, melhores.
Estava vivo e isso só por si já era bom.
Uma enfermeira de ar simpático aproximou-se deles e anunciou o fim da hora da visita. Lori despediu-se dele com um beijo nos lábios e saiu, dizendo que voltava no dia seguinte.
Tom ficou ali deitado, agradecendo finalmente o silêncio. Não demorou muito até que o sono chegasse e o levasse a entrar num mundo de devaneios utópicos, possíveis apenas nos seus sonhos.
 
 
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