quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Capítulo 11



15 de Dezembro de 2016
12:30


- Cheira bem! – exclamou o Bill ao entrar na cozinha – Estás a fazer o teu famoso esparguete?
- A mãe trouxe-me comida mas como era uma ocasião especial, tinha que fazer uma coisa especial – respondeu o Tom enquanto se dirigia ao fogão.
Tirou a tampa do tacho e a cozinha foi instantaneamente invadida por vapores cujo cheiro fazia crescer água na boca. Tom pegou numa colher de sopa e provou um pouco do molho, depois de soprar durante uns segundos para arrefecer.
- O almoço está pronto – anunciou ele com um sorriso.

Bill saboreava o esparguete de olhos fechados e Tom olhava-o fixamente. Tinha muitas perguntas para fazer, mas não sabia como começar. De repente, Bill abriu os olhos e encarou Tom, que baixou o olhar imediatamente.
- Podes perguntar à vontade… – disse Bill calmamente – Foi para te responder que eu vim cá.
Não havia uma maneira fácil de fazer as perguntas que inundavam a mente de Tom. Ele sabia disso, o Bill também. Ia ser estranho, constrangedor e emotivo, mas era algo que tinha que ser feito e era melhor que fosse durante a refeição, quando estavam mais relaxados. A última coisa que Tom queria era provocar uma nova e desnecessária discussão mas tinha que ser directo pois era a única maneira de não ser mal interpretado.
- Porque é que deixamos de nos falar? – questionou ele, sem levantar os olhos do prato.
Bill sorriu, não porque o assunto fosse agradável, mas porque conhecia tão bem o Tom que já esperava que aquela fosse a primeira pergunta.
- Porque tu és um grandessíssimo cromo e não me deste ouvidos quando mais devias…
- Ó Bill, vá lá… - queixou-se Tom, quando viu o seu irmão deitar-lhe a língua de fora infantilmente.
- É verdade! Mas pronto... – Bill acedeu a contar a história sem brincadeiras e suspirou antes de continuar - Nós deixamos de falar porque tu decidiste casar com a pessoa errada.
Fez uma pausa para enfiar na boca uma grande garfada de esparguete, ignorando Tom, que não tirava os olhos de si.
- Estava há espera de uma resposta um bocadinho mais elaborada… - comentou Tom.
- Quem te disse que já acabei? – replicou Bill quando acabou de engolir o que tinha na boca.
Como resposta, Tom levantou as mãos à altura do peito e murmurou “faça favor de continuar”.
- Tu tinhas uma namorada, uma rapariga que eu adorava porque era perfeita para ti. Mas ela começou a sentir-se asfixiada pelas fãs que a ameaçavam e pelos paparazzis que não a largavam e teve de acabar o vosso namoro – Contou o Bill, que estava a achar piada à expressão atenta de Tom – Foi aí que apareceu a Loretta, que te deu a volta à cabeça.
- Como era essa outra rapariga? – perguntou curioso o Tom.
- Era muito amável e simpática, estava sempre pronta a ajudar no que fosse preciso. Ela gostava mesmo de ti, não por seres o guitarrista dos Tokio Hotel, mas sim por seres o Tom Kaulitz – Bill sorriu ao relembrar a rapariga - Ela sempre teve uma paixoneta por ti, mesmo quando andávamos na primária…
- E fisicamente, como era?
- Era alta, elegante… Tinha o cabelo sempre comprido e escuro…
Tom levantou-se de repente, interrompendo Bill. Foi até ao seu quarto e pegou na foto que tinha encontrado numa das caixas na cave.
- Bill, reconheces esta rapariga? – perguntou ele mostrando a foto ao irmão quando voltou à cozinha. O Bill pegou na foto e sorriu novamente.
- É a Labine, a rapariga de quem estávamos a falar! – disse ele contente por vê-la novamente.
Devolveu a foto a Tom, que ficou de pé a olhar para ela. À luz do dia, reparou num pormenor que da outra vez lhe tinha escapado. Na parte de baixo da foto, estava desenhado um coração preto. Rapidamente pegou numa caneta e desenhou um coração no guardanapo. Comparou os dois e chegou à conclusão que o da foto tinha sido desenhado por Labine pois era muito diferente do seu.
Agora já tinha um nome, uma história e uma marca para adicionar à cara dela.
Voltou a sentar-se, para terminar o seu almoço, e incitou Bill a continuar a história.
- Bem, tu e a Loretta davam-se muito bem quando namoravam. Dava gosto ver-vos juntos, pareciam o casal perfeito. Mas um dia eu ouvi uma conversa que não devia.


[FLASHBACK]

Bill entrou no jardim da casa que partilhava com Tom. Scotty trotava à sua frente, o rabo a abanar alegremente enquanto cheirava tudo à sua volta. Bill estacou de repente, quando ouviu vozes perto da piscina. Quando percebeu o tema de conversa, chamou Scotty num sussurro e agarrou-o. Não queria que as duas raparigas dessem conta da sua presença. Sabia que era feio escutar as conversas dos outros, mas aquela interessava-lhe demais para simplesmente virar as costas.
- Tirá-la do caminho foi a coisa mais fácil do mundo – disse Loretta à amiga, enquanto se virava na toalha, de modo a poder apanhar sol na parte da frente – Depois foi só conquistá-lo!
- E a ti ninguém te resiste, pois não Loretta Hexe? – apontou a amiga, enquanto apanhava o cabelo loiro num rabo de cavalo.
Loretta apenas respondeu com uma risada alegre e jovial.
- Coitada da pobre rapariga… - continuou a rapariga loira – As ameaças que vocês lhe fizeram devem tê-la assustado mesmo, para ela acabar tudo!
- Eu não tenho pena nenhuma dela… - replicou Loretta – Ela era uma insossa…
- Só mesmo tu para forjar um plano maquiavélico como esse…
Loretta riu-se novamente, desta vez acompanhada pela amiga.
- Foi um plano genial que correu na perfeição! – auto-congratulou-se ela, num tom de voz altivo.


[FIM DE FLASHBACK]


Bill acabou de contar a história e olhou para Tom, que observava com a boca ligeiramente aberta. Não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir, era surreal!
- E depois? – perguntou ele, curioso para saber o que Bill tinha feito depois.
- Depois fui-te contar o que tinha ouvido, mas tu não quiseste acreditar… - continuou o Bill – Disseste-me que a tinhas pedido em casamento e não ias voltar atrás…
- E foi aí que tu me disseste que não ias ao meu casamento…
- Se a noiva fosse a Loretta – concluiu o Bill.
Tudo fazia sentido, o puzzle estava a começar a completar-se. A parte mais importante já estava resolvida e os dois irmãos estavam juntos de novo.
Agora a prioridade era descobrir tudo sobre Labine.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Capítulo 10



14 de Dezembro de 2016
19:55

Tom não respondeu imediatamente. Hesitou ao escutar a voz do irmão porque não sabia como iria ele reagir. O seu maior receio era que o Bill desligasse o telefone sem ouvir o que ele tinha para dizer.
- Quem fala? – perguntou o Bill do outro lado, um pouco impaciente.
A sua voz transpirava ansiedade, talvez por saber, lá no fundo, quem estava a fazer a chamada. A ligação que os gémeos sempre tinham tido nunca ia desaparecer, nem com a distância, nem com o tempo. Era algo que tinha nascido com eles e, de igual forma, morreria com eles.
- Olá, Bill – cumprimentou o Tom no seu tom grave.
Como resposta apenas obteve silêncio. A tensão que pairava era quase palpável e os corações de ambos batiam a um ritmo frenético e descompassado, como se estivessem a tentar sair dos respectivos corpos.
- Preciso de falar contigo sobre uma coisa importante, Bill. Não desligues o telefone, por favor… - acrescentou o Tom, para prevenir.
Por momentos, pensou que o irmão ia continuar sem responder, uma vez que o silêncio se manteve. No entanto, o Bill acabou por falar.
- Como estás, Tom?
- Bem, dentro dos possíveis… - respondeu Tom, não conseguindo evitar um sorriso – E tu?
- Eu também estou bem – respondeu simplesmente o Bill.
Tom não estava habituado a ouvir o seu irmão responder-lhe de forma tão fria e hostil e não gostou da sensação. Desejou mais do que nunca vê-lo, tentar resolver tudo e voltar ao que eram antes. Sabia que tinha essa oportunidade agora e não podia falhar.
Tentou pensar em perguntas para fazer, de modo a manter o Bill a falar o máximo de tempo possível.
- Tens falado com a mãe? – questionou ele.
- Tenho – respondeu o Bill – Falei com ela há dois ou três dias.
Tom sentiu-se extremamente magoado com aquela resposta. Bill sabia do acidente pois de certeza que a mãe lhe tinha contado. No entanto, não foi capaz de pôr o orgulho de lado para ir visitar o irmão. Nem sequer um telefonema fizera. O acidente tinha sido muito grave, podia mesmo ter morto Tom, e o Bill nem se tinha dignado a aparecer no hospital.
Apesar de tudo, Tom sabia que esta conversa era crucial para o seu futuro. Se o Bill não se conseguia livrar do orgulho estúpido, o Tom tinha que ser capaz de esquecer a mágoa.
- Olha, será que podias vir a minha casa? Temos de falar, é importante…
Bil não respondeu e remeteu-se, uma vez mais, ao silêncio. Tom conhecia-o demasiado bem e sabia que ele iria aceitar, mas estava a fazer-se de difícil.
- Ouve, a mãe deve ter-te contado o que se passou – disse o Tom, para ajudar o irmão a tomar uma decisão – Eu não sei porque é que nos afastamos, não me lembro! Mas eu preciso de estar contigo, de falar contigo… És o meu irmão!
- A Loretta está aí? – perguntou o Bill.
- Não – respondeu o Tom, achando a pergunta estranha – Ela… Saiu de casa ontem à noite.
- Então… Eu passo por aí amanhã, pode ser? – sugeriu o Bill, com a voz um pouco mais leve e num tom menos frígido.

Tom sentiu-se mais aliviado depois do telefonema. Teve que pedir ao Bill que telefonasse à mãe para lhe dar indicações sobre como chegar até sua casa, porque ainda não tinha tido tempo para tratar desses pormenores. Era muita coisa para decorar e ainda tinha passado pouco tempo desde que voltara a casa.
O telefonema tinha corrido bem. Muito bem, tendo em conta que tinha sido tudo improvisado! Tom estava feliz.


***


15 de Dezembro de 2016
12:00

Desta vez, Tom já estava acordado quando a campainha tocou. Sabia que era o seu irmão. Encaminhou-se para a porta sem nenhuma frase pré-ensaiada. Se o telefonema de improviso da véspera tinha corrido bem, era melhor usar a mesma táctica no o reencontro cara a cara. Através do vidro baço viu a silhueta alta e esguia de Bill e o seu coração começou a bater mais depressa do que o normal.
Quando a sua mão tocou no puxador para abrir a porta, o seu coração batia com tanta força que se via através da camisola. Tal como no dia anterior, parecia querer sair do peito de Tom, como se soubesse que o seu semelhante estava apenas a escassos centímetros de distância. Lentamente, Tom abriu a porta.
Ficaram muito tempo a olhar um para o outro, parados em silêncio. Bill tinha o cabelo preto escorrido cortado pelos ombros, usava uma t-shirt preta com desenhos brancos, umas calças pretas e, ao contrário do que Tom estava habituado, não apresentava qualquer rasto de maquilhagem, fazendo com que os traços femininos da sua face não ficassem tão acentuados.
A certa altura, Tom não aguentou mais e num movimento súbito, abraçou Bill, que não retribuiu de imediato. No entanto, Tom não o largou. Sabia-lhe bem estar com o seu irmão, que era como a sua outra metade. Sempre tinham dito que eram uma pessoa só em dois corpos. Alguns momentos depois, Tom sentiu os braços de Bill rodear as suas costas.
Os seus dois corações estavam novamente a bater junto um do outro e acalmaram-se, acabando por encontrar um ritmo sereno e idêntico.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Capítulo 9



14 de Dezembro de 2016
12:33


A campainha tocava insistentemente no andar de baixo. Tom gemeu irritado porque a campainha parecia estar a tocar dentro da sua cabeça. Fez uma nota mental para mudar aquele toque para um mais agradável e levantou-se.
Vestiu o roupão e desceu as escadas mal-humorado. Quem quer que fosse ia ouvir umas quantas por não ter maneiras nenhumas e o ter acordado tão cedo! Abriu a porta e preparou-se para mandar embora quem lá estivesse mas não teve tempo para isso.
- Até que enfim, Tom! – exclamou a D. Simone, dando um beijo rápido na testa do filho – Estava a ficar preocupada, podia ter acontecido alguma coisa…
Apressou-se a entrar com vários sacos de plástico na mão, deixando Tom especado à porta.
- Por acaso aconteceu, mãe… - disse ele, batendo a porta com um pouco de força a mais.
- O quê? – perguntou ela, parando a meio caminho da cozinha para olhar para ele, preocupada.
- Adormeci! - Respondeu ele, caminhando até à mãe para a acompanhar - Estive acordado a noite toda, a ver as horas a passar e quando o sol nasceu, finalmente adormeci! E tu vens e acordas-me a estas horas!
Tom sentou-se num dos bancos altos junto à mesa central e observou a mãe enquanto ela pousava as sacas e tirava de lá vários tupperwares com diferentes formas e tamanhos.
- Tom, é hora do almoço. Estava na hora de acordares, não achas?
Pela primeira vez desde que tinha acordado, Tom olhou para o relógio. Ela tinha razão, apesar de, para Tom, parecer muito mais cedo.
- Que trazes aí? – perguntou ele, amarrotando uma das sacas vazias na mão.
- É comida – respondeu ela, olhando-o como se fosse a resposta mais óbvia do mundo.
- Para quê?
- Para dar aos cães… - disse ela ironicamente, olhando para dois tupperwares diferentes enquanto ponderava qual deles deixar de fora e qual meter no frigorífico.
- Eu não tenho cães…– disse ele, um pouco frustrado por ela não estar a perceber o objectivo da pergunta - Porque é que me trouxeste comida?
- A Lori telefonou-me de manhã cedo e contou-me o que se passou – Simone fechou o frigorífico e ocupou o lugar ao lado de Tom – Ela pediu-me para tomar conta de ti na ausência dela.
- Eu não preciso que tomem conta de mim, muito obrigado… Eu já tenho vinte… - hesitou, pois a sua idade real era diferente da que ele se lembrava ter – …E seis anos. Sou perfeitamente capaz de viver sozinho.
Tom odiava ser tratado como uma criança ou como um inválido. Sempre fora muito independente, tal como o seu irmão. Simone passou afectuosamente a mão na cara de Tom e sorriu.
- Eu sei, meu filho. Mas eu nunca disse que me ia mudar para aqui, pois não?
Ele olhou para a mãe e sorriu também. Ela sempre tinha dado muita liberdade aos filhos, mas a verdade é que sempre que eles precisavam da mãe, ela estava lá. Eles nunca precisavam de lhe pedir ajuda porque ela sabia sempre quando intervir.
O Tom estava a precisar de desabafar com alguém e a pessoa que melhor o podia amparar era a mãe. Contou-lhe tudo o que se tinha passado e o porque de ter pedido a Lori para sair de casa durante uns tempos. Confessou-lhe as suas dúvidas e incertezas e pediu-lhe conselhos.
- Tom, eu não posso dizer se o que fizeste foi correcto ou não porque apenas tu podes saber isso – explicou ela – Eu sempre te disse para seguires o que o teu coração diz porque é sempre o melhor para ti. Se achas que tudo isto era necessário, então eu apoio-te… Se não, telefona-lhe já.
Tom pensou por uns minutos. Lori estava a sofrer por causa dele. Mas ela tinha cometido um erro gravíssimo que Tom não podia perdoar para já. Ele sabia que não ia conseguir viver com ela, falar com ela, vê-la a todas as horas. Não ia conseguir acreditar nas suas palavras, mesmo que fossem sinceras! Podia não ser o mais correcto, mas era definitivamente necessário e isso ele não podia mudar.
As horas foram passando e a disposição de Tom foi melhorando. Era sempre bom ter alguém com quem conversar. Passearam pelo jardim e pela zona da piscina e resistiram à vontade de dar um mergulho apenas porque estava demasiado frio.
Depois do lanche, Simone anunciou que tinha que se ir embora porque ainda demorava a chegar a casa e não gostava de conduzir à noite. Tom agradeceu a tarde e a ajuda que ela lhe tinha dado e despediu-se, ficando à porta até não ver mais o carro.
Sozinho com os seus pensamentos, Tom foi até à sala e sentou-se no sofá. Enquanto mudava o canal de televisão para um onde estivesse a dar alguma coisa mais interessante, pegou no telemóvel e entrou na lista de contactos. Navegou pela lista de contactos e encontrou o nome “Bill”. O seu polegar pairou durante muito tempo sobre a tecla verde. De cada vez que o aproximava para clicar, a coragem faltava-lhe e o polegar retrocedia novamente. Após alguns minutos, começou a achar aquela cena extremamente estúpida e acabou por guardar de novo o telemóvel no bolso.
No entanto, aquilo não lhe saía da cabeça. Num acto impulsivo, pegou novamente no telemóvel e ligou ao seu irmão. Encostou o telemóvel à orelha e começou a ouvir o repetitivo tom de chamada. A coragem esvaía-se a cada segundo que passava e estava prestes a desligar quando ouvir um som diferente.
- Sim?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Capítulo 8



14 de Dezembro de 2016
6:40

Tom abriu de novo os olhos e respirou com força, frustrado. Olhou para o relógio digital na mesa-de-cabeceira de Lori e observou os números vermelhos que marcavam 6:40. Ainda não tinha pregado olho desde que se tinha deitado e estava cheio de dores no corpo, de tantas voltas que já tinha dado. Não conseguia estar quieto na cama, não arranjava uma posição suficientemente confortável que o permitisse relaxar e descansar.
O barulho da chuva tinha cessado há algumas horas e agora, tudo era um mar de silêncio lá fora, tal como dentro de casa. Nem os insectos que viviam no bosque que rodeava a vivenda de Tom se atreviam a sair numa noite fria e incerta como aquela.
Deu mais uma volta lenta, praguejando contra as dores no peito, e acendeu a luz do candeeiro. Ficou ali em silêncio durante alguns minutos, fitando um ponto incerto na parede sem saber bem o que fazer.
Não valia a pena continuar a tentar dormir. A noite estava a acabar e ele não queria passar o dia enfiado na cama a dormir. Ligar a televisão não era uma opção viável, uma vez que àquela hora nunca dava nada minimamente interessante. Pelo canto do olho, viu a pequena caixa que Lori lhe tinha dado, pousada na mesa a olhar para si.
Noite de revelações” pensou o Tom, sorrindo para si mesmo. Não sabia o que continha a caixa, mas tinha esperança que o interior misterioso lhe trouxesse algumas lembranças, como as caixas na cave tinham feito.
Levantou-se, vestiu uma camisola quente por cima do pijama, calçou um par de luvas e pegou na caixa. Dirigiu-se à varanda do seu quarto e acendeu a luz, que iluminou um conjunto de duas cadeiras e uma mesa pequena de madeira.
Sentado numa das cadeiras, Tom mantinha a caixa entre as suas mãos, enquanto a observava com cuidado. Era feita de madeira clara e na tampa estava colada uma foto do seu casamento com Lori. Tudo indicava que o conteúdo da caixa estava ligado à sua relação com ela.
Abriu o fecho em forma de flor-de-lis e analisou o recheio. Folhas de papel soltas, um lenço e uma pedra em forma de coração, entre algumas outras coisas aparentemente sem valor.
Pegou na pedra e rolou-a na sua mão. Era de um cinzento clarinho, quase branco, e não era muito pesada.


[FLASHBACK]

Lori estava sentada em cima dele e atacava-o incessantemente com cócegas. Ambos riam com vontade, brincando como duas crianças à sombra de uma árvore frondosa.
- Pára, Lori, pára! – pediu ele por entre gargalhadas – Já não aguento mais…
Ela acedeu e deitou-se ao lado dele, de barriga para cima, ainda a arfar e a tentar conter o riso.
Sentiu algo duro estava a magoar as suas costas e ela levantou a toalha para ver o que era.
- Tom, olha que gira! – exclamou ela, rodando uma pequena pedra clara na mão.
Tom debruçou-se sobre ela para ver e deu-lhe um beijo quando viu que a pedra tinha a forma de um coração.

[FIM DE FLASHBACK]


Sorriu para si próprio ao recordar aquela tarde passada com Lori. O pic-nic à beira rio, a sesta à sombra das árvores… Com um bocadinho de esforço conseguia mesmo ouvir o piar alegre dos pássaros, o som da água a correr, o bater do coração de Lori…
Sentiu uma pontada de dor ao pensar em Lori. Ao relembrar aquela tarde, tinha experimentado tudo novamente, incluindo o amor que um dia sentira por ela. Perguntou-se se ela estaria bem em casa da mãe, se teria chegado bem, se estaria a dormir ou se, como ele, estaria acordada a pensar em momentos idos.
Ela tinha razão. A técnica dos objectos antigos estava a funcionar e a trazer-lhe recordações. Mas trazia também novos sentimentos de insegurança, fragilidade, compaixão, lástima e… saudade.
Guardou todos os objectos de novo na caixa. Eram demasiadas emoções para um dia só. Além disso, o frio começava a ser demasiado intenso e cortante. Conseguia ver a sua respiração como uma nuvem esbranquiçada quando expirava e começava a tremer ligeiramente.
Ao deitar-se de novo na cama, almejou não estar sozinho. “É preciso ter cuidado com o que se deseja” pensou ele ao olhar com melancolia a travesseira de Lori. Podia não sentir por ela o que ela sentia por ele, mas ao menos era uma companhia. Durante dias, desejou estar sozinho e agora só queria tê-la de volta.
Lá fora, as nuvens começaram lentamente a dissipar e o primeiro raio de sol do dia entrou no quarto, iluminando a caixinha de recordações de madeira. No entanto, Tom não o viu. Mantinha os olhos fechados, na esperança de que, quando os abrisse, se deparasse com Lori ao seu lado. Nos lábios vermelhos dela um pequeno sorriso, o cabelo claro espalhado graciosamente pela almofada… O braço dele em volta da cintura dela.
Sem se dar conta que estava a ficar com sono, Tom adormeceu e caiu num sono profundo.
 
 
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